domingo, 19 de novembro de 2017

Geodiversidade e Biodiversidade: O Desastre de Mariana, na Bacia do Rio Doce



A discussão em torno do conceito de Geodiversidade encontra-se basicamente na sua abrangência. Enquanto alguns doutrinadores entendem que Geodiversidade limita-se ao conjunto de minerais, rochas e fósseis, outros acreditam que o conceito é amplo, integrando inclusive a comunidade de seres vivos (BRILHA, 2005). 

Segundo Sharples (2002) o conceito significa o alcance ou a diversidade das características geológicas, geomorfológicas e do solo, em conjunto, sistemas ou processos.  A Royal Society for Nature Conservation do Reino Unido adota um conceito que parece subsidiar a relação entre a geodiversidade e biodiversidade:

“A geodiversidade consiste na variedade de ambientes geológicos, fenômenos e processos ativos que dão origem a paisagens, rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte para a vida na Terra (apud BRILHA, 2005).”

Dessa forma, a geodiversidade é essencial a manutenção da biodiversidade na medida em que ela é o suporte para a vida na Terra. Gray, M. (2002) observou que geólogos viram a geodiversidade como uma maneira útil de pensar o mundo abiótico e promover a geoconservação e ainda, a conservação da vida selvagem.

É o pensamento segundo o qual a biodiversidade está condicionada a geodiversidade, já que os organismos encontram condições ideais de subsistência quando reunidas as condições ideais abióticas (BRILHA, 2005). Nesse sentido, Sharples, 2002 atribui à geodiversidade o valor ecológico, ao entender que ecossistemas compreendem os componentes bióticos e abióticos cada qual em interação e interdependência. A importância do valor ecológico então reside na importância de preservar os processos geológicos, geomorfológicos e do solo e também manter o processo biológico dependente desses sistemas físicos.

Na tentativa de conferir importância à Geodiversidade, a literatura lhe atribuiu ainda outros valores: Intrínsecos e antropocêntricos, além do ecológico (SHARPLES, 2002), ou segundo Brilha (2005) os valores intrínsecos, cultural, estético, econômico, funcional, científico e educativo.

A respeito dessa interação, podemos analisar uma tragédia ocorrida a dois anos no Estado de Minas Gerais/Brasil, quando rompeu uma represa, construída para depósito dos resíduos da mineração de ferro, em Mariana, na Bacia do Rio Doce. 

O rompimento da represa ocasionou uma onda de lama que devastou todo o distrito de Bento Rodrigues, com perdas humanas inclusive, destruiu ecossistemas, rios e florestas, ao espalhar a lama, que em questão de dias, percorreu cerca de 620 quilômetros, alcançando a foz do Rio Doce, e desaguando no mar. As causas e os efeitos do acidente ainda estão sendo dimensionados. Entretanto, os danos causados ao meio ambiente e às comunidades atingidas são indeterminados, imprevisíveis e incalculáveis (LOPES, 2016).


 Fonte: Relatório Preliminar IBAMA

Em levantamento preliminar realizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, constatou-se que 663,2 km de corpos hídricos  foram diretamente impactados, além de destruição da infraestrutura urbana, desalojamento da população, destruição de áreas agrícolas, destruição de áreas de preservação permanente e vegetação nativa da mata atlântica, mortandade da biodiversidade aquática e fauna terrestre, assoreamento dos rios, interrupção do abastecimento de água, da pesca e do turismo, perda e fragmentação de habitats, restrição ou enfraquecimento dos serviços ambientais dos ecossistemas e alteração da qualidade da água doce, saloba e salgada (BRASIL, 2015). 

Na área atingida pela tragédia foram identificadas a existência de 28 espécies de anfíbios anuros, pertencentes a sete famílias. Para a classe Reptilia, foram registradas duas espécies de lagartos, uma espécie de serpente e uma espécie de quelônio aquático; 754 espécies de aves; 35 mamíferos terrestres de médio e grande porte (BRASIL, 2015).

Na análise preliminar laboratorial foram identificados nas amostras de água a alteração nos parâmetros dos seguintes minerais: Metais Totais: Alumínio (Al); Bário (Ba); Cálcio (Ca); Chumbo (Pb); Cobalto (Co);  Cobre (Cu);  Cromo (Cr);  Estanho (Sn);  Ferro (Fe); Magnésio (Mg);  Manganês (Mn);  Níquel (Ni);  Potássio (K);  Sódio (Na) (BRASIL, 2015).

E ainda, demais parâmetros alterados: Condutividade;  Fluoreto;  Fósforo total;  Sólidos Totais Dissolvidos;  Sólidos Suspensos Totais;  Sólidos Totais;  Turbidez;  Cloro Residual Total.

Segundo o relatório preliminar, a plena recuperação do Rio Doce e das áreas diretamente afetadas deverá ser feito através de um trabalho de melhoria da qualidade ambiental de toda a bacia, que restou em situação de vulnerabilidade e degradação ambiental (BRASIL, 2015).

Com o episódio narrado, podemos inferir como estão interligados os conceitos de geodiversidade e biodiversidade, uma vez que o reequilíbrio do ecossistema e da biodiversidade na Bacia do Rio Doce dependerá do restabelecimento das condições ambientais do solo, corpos hídricos e demais aspectos geológicos.

Bibliografia:
BRASIL. Laudo Técnico Preliminar: Impactos ambientais decorrentes do desastre envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. In: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Minas Gerais, 2015. Disponível em: Ibama. Acesso em: 19 de nov. 2017.  

BRILHA, J. (2005). Património Geológico e Geoconservação. Braga: Palimage
LOPES, L. (2016). O rompimento da barragem de Mariana e seus impactos socioambientais. Sinapse Múltipla, 5 (1), jun 1-14, 2016. Disponível em: SinapseMúltipla. Acesso em:19 de nov. 2017.

GRAY, M. (2004). Geodiversity: valuing and conserving abiotic nature. Chichester: John Wiley & Sons Ltda.
SHARPLES (2002). Concepts and Principles of Geoconservation. Tasmanian Parks and Wildlife Services.

4 comentários:

  1. Olá Natália!
    Muitas vezes a relação entre a biodiversidade e a geodiversidade fica marcada pelas alterações que o Homem provoca no ambiente terrestre. No entanto, os fósseis representa o melhor dessa mesma relação são essenciais para o conhecimento da biodiversidade e são também intrínsecos da geodiversidade (Brilha, 2005). Os fósseis são testemunho da evolução da espécies e um componente indispensável ao conhecimento da biodiversidade que existiu e de como evoluiu para aquela que conhecemos. Mas também são um testemunho da história geológica da Terra já que permitem identificar zonas que já estiveram cobertas de água contribuindo assim para o estudo das alterações climáticas ao longo da história. Apesar de existirem muitos tipos de fósseis os mais comuns são formados aquando da formação de rochas sedimentares. Para além do valor científico indiscutível os fósseis também têm um valor económico e acima de tudo cultural já que o fenómeno pode ser considerado uma imagem de marca de uma região (Brilha, 2005). O arquipélago dos Açores é formado por nove ilhas vulcânicas e apenas a mais antiga, Santa Maria, formada há cerca de 10 milhões de anos possui as rochas sedimentares necessárias à formação de fósseis. Os estudos paleontológicos efectuados em Santa Maria abriram uma janela temporal para o passado, possibilitando uma melhor compreensão dos processos e padrões de dispersão, colonização e de formação de novas espécies (especiação) que ocorrem em ilhas oceânicas (Ávila, et al., 2010).

    Ávila, S., Rebelo, A., Medeiros, A., Melo, C., Gomes, C., Bagaço, L., Madeira, P., Borges, P. A., Monteiro, P., Cordeiro, R., Meireles, R., Ramalho, R.. (2010). “Os fósseis de Santa Maria (Açores) : a jazida da Prainha.” Marine PalaeoBiogeography Working Group. Nova Gráfica, Lda. consultado em: https://repositorio.uac.pt/handle/10400.3/1028
    Brilha, J. (2005) . “Património Geológico e Conservação: A Conservação da Natureza na sua Vertente Geológica”. Braga. Palimage Editores. ISBN: 972-8575-90-4. consultado em: http://elearning.uab.pt/pluginfile.php/542945/mod_resource/content/1/Geodiversidade-artigos/Pat_Geol_Geoc_prot.pdf
    http://naturlink.pt/article.aspx?menuid=23&cid=4123&bl=1&viewall=true

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  2. Olá Natália,
    De facto, há uma relação de (inter)dependência entre biodiversidade e geodiversidade muito grande que quando algum factor põe em causa o equilíbrio de um deles, o outro acaba por ver a sua fragilidade evidenciada, com danos e perdas muitas vezes irrecuperáveis.
    A situação descrita evidencia, precisamente, o quanto a acção humana pode levar a mudanças significativas nos elementos geológicos, desrespeitando a sua dinâmica própria, colocando, por conseguinte, em causa a manutenção da diversidade biológica.
    Se durante algum tempo demos maior apreço à biodiversidade, a verdade é alguns estudos mais recentes têm apontado para uma implicância dos elementos abióticos nos bióticos, já que alguns dos componentes da geodiversidade (como o clima, o relevo ou a hidrologia) se tornam condutores da biodiversidade (Parks e Mulligan, 2010) e podem ser usados para prever a disponibilidade de recursos (energia, água, nutrientes), argumentos que podem ser importantes para a inclusão e reconhecimento da importância da geodiversidade na gestão dos ecossistemas (Gordon et al. 2011).
    A tendência parece ser a inclusão da geodiversidade na protecção e conservação da biodiversidade, com implicações no presente, mas também no futuro. Cada vez mais, os mecanismos de conservação representam, explicitamente, os ambientes geofísicos, identificando um conjunto de estados e elementos físicos que podem assegurar a biodiversidade, ao mesmo tempo que permitem e facilitam a adaptação das espécies em resposta às alterações climáticas (Anderson et al., 2015; Comer et al., 2015).
    É importante implementarmos esta alteração de paradigma de modo a termos menos prejuízo em situações como que descreve.

    ANDERSON, M. G., P. J. COMER, P. BEIER, J. J. LAWLER, C. A. SCHLOSS, S. BUTTRICK, C. M. ALBANO, D. P. FAITH (2015). “Case studies of conservation plans that incorporate geodiversity”. In. AAVV (2015). Conservation Biology. Volume 29. pp. 680–691.
    COMER, Patrick J., Robert L. PRESSEY, Malcolm L. HUNTER JR., Carrie A. SCHLOSS, Steven C. BUTTRICK, Nicole E. HELLER, John M. TIRPAK, Daniel P. FAITH, Molly S. CROSS e Mark L. SHAFFER (2015). “Incorporating geodiversity into conservation decisions”. In. AAVV (2015). Conservation Biology. Volume 29. pp. 692-701.
    GORDON, John E., Barron Hugh F. BARRON, James D. HANSOM e Michael F. THOMAS (2011). "Engaging with geodiversity – why it matters". Proceedings of the Geologists’ Association. Volume 123. pp. 1-6
    PARKS, K.E. e M. MULLIGAN (2010). "On the relationship between a resource-based measure of geodiversity and broad scale biodiversity patterns". In. AAVV. Biodiversity and Conservation. N.º 19. Springer Netherlands. pp. 2751–2766.

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  3. Olá Natália!
    A situação que expôs constitui um exemplo bastante elucidativo das consequências ambientais e humanas devastadoras, que poderão advir das modificações que o Homem realiza no meio ambiente. A construção de barragens tem permitido regularizar os cursos de água e aumentar a disponibilidade hídrica através do seu armazenamento em albufeiras, constituindo-se como infraestruturas essenciais para uma melhor gestão da água, nomeadamente para as reservas de uso doméstico e agrícola. Porém, a construção deste tipo de estrutura, para além de requerer uma prévia avaliação do risco e do impacto ambiental, também exige a devida monitorização de forma rigorosa, no sentido de se prevenirem eventuais situações de catástrofe, como a que descreveu. É pois indispensável a constituição de equipas multidisciplinares que, mobilizando conhecimentos de áreas distintas, designadamente a topografia, a geologia, a geomorfologia, a biologia, a climatologia, entre outras, permitam o desenvolvimento de metodologias conducentes a uma avaliação criteriosa do risco associado em todos os momentos, desde a conceção do projeto, passando pela execução e posterior supervisão. As barragens requerem, deste modo, uma atenta consideração, uma vez que são introduzidas alterações profundas ao nível da dinâmica fluvial, do ciclo natural dos processos erosivos e sedimentares, bem como no clima e na biodiversidade. A interferência humana em todos estes subsistemas desencadeia, inevitavelmente, consequências no equilíbrio natural presente no quadro concreto da região onde se inserem e, deste modo, igualmente na geodiversidade.
    Cumprimentos,
    Sandra Duarte

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  4. Olá Natália:
    O maior desastre ambiental da história do Brasil põe em evidência a relação geodiversidade e biodiversidade dado que a originalidade da paisagem da região de Bento Rodrigues foi objeto de intervenções morfológicas numa escala da ordem de grandeza macro, com a desconfiguração profunda da paisagem ocasionada por complexos de prospecção mineral. Essas transformações na originalidade da paisagem são intervenções sistémicas da atividade de mineração, oriundas de uma cadeia cumulativa de alterações que tiveram como uma das mais drásticas consequências o evento de rompimento da barragem do Fundão. Por sua vez, o rompimento dessa barragem provocou uma série de impactos na originalidade da paisagem e nos seus ecossistemas associados com características tão drásticas que o caráter de irreversibilidade está explicitamente posto.
    Apesar de inicialmente o conceito de valor funcional da geodiversidade não ter expressão nos princípios da conservação da natureza (Gray, 2004) é evidente a sua relevância tanto para os sistemas físicos como biológicos/ ecológicos na superfície terrestre , dos quais constitui parte integrante (Brilha, 2005). O termo ecossistema foi proposto pela primeira vez pelo ecólogo Sir Arthur G. Tansley em 1935 na revista científica Ecology. E podemos definir como sendo um conjunto de elementos funcional básico, formada pelos componentes bióticos e abióticos. Consideram-se como fatores bióticos os efeitos das diversas populações de seres vivos umas com as outras e abióticos os fatores externos como a água, o sol, o solo, o gelo, o vento. Todas as relações estabelecidas entre os organismos e com seu meio ambiente constituem o ecossistema ou seja, podemos definir ecossistema como sendo um conjunto de comunidades ou biocenoses interagindo entre si e agindo sobre e sofrendo a ação dos fatores abióticos (Odum, 2004).
    A importância da Geodiversidade para os processos ecológicos manifesta-se no provimento de diversos tipos de meios, habitats e substratos que permitem a fixação dos ecossistemas. Reconhece-se actualmente, que os componentes não vivos do meio natural são tão importantes para a conservação da Natureza como os componentes vivos e que a Geoconservação é a base fundamental da Bioconservação. para o processo de conservação da Natureza ser eficaz, não pode haver a uma separação real entre os processos geológicos e os processos biológicos.
    Diante de todo esse contexto, torna-se necessário uma discussão ampla e profunda sobre a contrapartida económica e social desse tipo de atividade (mineira), em função dos impactos sociais, ecológicos e ambientais que eles provocam. Será justificável a aceitação desse tipo de organização e exploração económica dos recursos naturais numa área que apresenta vocação turística, histórica e de alta riqueza hídrica como a região de Bento Rodrigues, com potencial para outras atividades que poderiam trazer melhor rendimento à sociedade local e menos impacto à paisagem regional, preservando e potencializando a sua originalidade.

    Cumprimentos,
    Ana Marta

    Bibliografia:
    Odum, E. (2004). Fundamentos de Ecologia. 7ª Edição,
    Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa.

    Brilha, J. (2005). Património geológico e geoconservação:
    a conservação da natureza na sua vertente geológica.
    Palimage Editores, Viseu.

    Gray, M. (2004).Geodiversity: Valuing and Conserving
    Abiotic Nature. John Wiley and Sons, Chichester,
    England.

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